22.11.17

A PRESSA


Andamos apressados na colheita dos dias
não vá o sol queimar a pele dos frutos
a chuva magoar o verde-esperança
o vento derrubar as flores da macieira.
Temos medo de chegar tarde ao tempo da fartura
porque de fome nos contaram velhos homens
de muitas viagens muitos livros
mulheres poucas dispostas ao amor.
Vamos cabisbaixos cães de dono sem coleira nem trela
amarrados à cantata da fama e à luz do pote de oiro.
Chegaremos ou não a colher as virtudes e as glórias.
Assim curvados não veremos uma janela que nos chama
a alegria de uma flor de inverno.
Temos pressa.
Outra estação virá de repararmos nestas e noutras bagatelas.
Será o tempo da flor desmaiada da janela fechada.
Da rua nem se fala que o nome lhe perdemos
para sempre.

Licínia Quitério

14.11.17

ENTARDECER


As casas  vestem o ocre da tarde.
O velho plátano desenha-se na parede em frente.
É a hora de rever amigos que descem a rua.
O Sol derrama-se oblíquo a afinar a geometria das sombras.
Silenciosas as casas aguardam o regresso dos homens, das mulheres.
Algumas ficam vazias porque os donos partiram para outros lugares.
A mornidão do ar abafa as vozes dos transeuntes.
Passa um rapaz e o seu cão.
Passo eu também.
Entro em casa.
Nos meus olhos apaga-se a luz da rua.
É de tarde e anoiteço.

Licínia Quitério

10.11.17

BAIXAR A GUARDA


Um dia hei-de baixar a guarda
Expor o rosto e o corpo às balas
Gritar eis o banquete
A mesa posta é vossa

Assim pensava eu nos anos de rimar
Ternura com bravura
De avançar sobre escarpas
E abençoar  o tojo
De ver partir os barcos
Carregados de homens
E de os ver chegar
Carregados de raiva
E de outros homens

O rosto e o corpo gastos
A guarda toda em baixo
Os restos do banquete
Aqui os tendes

Assim eu digo nos anos de rimar
Sorrir com resistir
De avançar indiferente
Ao espinho e ao abismo

Os barcos já não partem
Ficam presos na linha
Do horizonte
Os homens vão ao mar
E às vezes voltam
E são peixes carregados de sal

Licínia Quitério

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