6.3.14

CINZA


Quem me dera vermelha a cinza do poema,

vermelha e quente, escandalosa e quente,
a insinuar bandeiras embrulhadas em gritos,
deserções de efebos dos salões da guerra.
Quente a cinza das palavras esculpidas
no respirar dos povos, na ternura branca
das mãos, que são mães, que são mar
aberto aos barcos carregados de sol.
Da cinza fria, cor da cinza fria, renascem
teatros de milagres, reverberações,
aves imateriais, imunes à peste, ao dardo.
Quero um poema vermelho, escaldante,
que a cinza seja sangue e escorra 
das pedras dos castelos e alimente
o corpo há tanto tempo lacerado
dos que se retiraram, deliberadamente
cegos, para os desvãos da cidade.

Licínia Quitério

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